Engarrafando a paisagem por Didu Russo
Anotem estes nomes: Estrelas do Brasil, Irineo Dall Agnol, Alejandro Cardozo. Eles conseguiram engarrafar a paisagem, roubando a linda frase do meu talentoso amigo Luiz Horta.
Ele está montando em sua propriedade o que acredito deveria ser um projeto estadual, um projeto eno-turístico. Terá uma pousada, ou hotel (depende de grana) e um vinho espetacular.
Irineo é da Embrapa e conseguiu a duras penas comprar esse pedaço de paraíso onde começa a construir um sonho eno-turístico. Tem diversas uvas e vende 80% para terceiros.
Com os 20% que mais gosta faz estes experimentos junto com Alejandro, que é um enólogo uruguaio que está mudando a imagem da Piagentini, que para nós sempre foi de vinhos simplérrimos. Experimente dele a linha DECIMA (Piagentini), principalmente um espumante rosé que é maravilhoso e depois me conte.
A Estrelas do Brasil é o exemplo do que gostaria que a ABE prestigiasse quando sugeri que separassem apenas uma das 16 amostras da Avaliação Anual para pequenos produtores.
As pessoas precisam conhecer as possibilidades que sempre aparecem nesses produtores e não nas vinícolas, que têm uma espada na cabeça do enólogo chamada “mercado”.
Eu confesso que não esperava ter a emoção que o Irineo me proporcionou na tarde do dia 27 de outubro de 2011, quando ao pôr-do-sol e na agradável companhia dele e de Luciana Zanetti, fiquei emocionado com a diversidade e qualidade de aromas de um espumante 2006 de Chardonnay, Viognier e Riesling Itálico, que segundo Irineo é na verdade “Pignolo” que ficou “sur lies” por 12 meses e depois evoluiu na garrafa.
Ele ficou encorpado, dourado, cremoso e fresco, que misturava pêssegos maduros, nozes, manteiga fresca, mel, amêndoas, flores murchas, cravo, calda de doce de abóbora, casca de maçã seca e lá no fundo do retro-gosto, um incrível e delicado marzipan líquido borbulhante…
Ao fundo uma visão paradisíaca da “Sera”… que escondia, dos pouco sensíveis, um “Nula in Mondo Pax Sincera”. Essa data ficará para sempre na minha memória.
Me lembro do Álvaro Cesar Galvão me falando da grande qualidade desse espumante que estava na vitrine de uma loja de vinhos do aeroporto em POA anos atrás. Fiquei de experimentar um dia. Esqueci.
Agora, quando soube pelo meu blog que eu estaria na Serra, meu amigo Eugênio me escreveu dizendo para não perder em hipótese alguma a visita ao Irineo. Fez mais, escreveu no meu blog, escreveu no meu e-mail três vezes e escreveu para o Irineo que conseguiu com a gentileza da ABE, encaixar o encontro. Eugênio tinha toda razão.
Eram 16hs., o tempo corria, Irineo me pegou num entroncamento da estrada, já acompanhado de Luciana Zanetti que lhe visitava também e que me deixou feliz em saber que era leitora de meu blog. Eu deveria estar no Hotel às 19hs., para tomar banho e me arrumar para a grande festa da noite.
Chegamos naquele pedaço de céu e fomos recebidos pelo Negro, um simpático cão que logo me reconheceu, quase latimos juntos. Fomos então percorrer à pé os vinhedos. É que mais gosto, quando a companhia me acrescenta. Veja o vídeo, poucos produtores fazem isso hoje e poucos falam o que ele me falou.
Voltamos, bebemos água fresca, provamos dois Prosecco de diferentes leveduras. Era muito vinho e pouco tempo lamentavelmente.
Perguntei ao Irineo (ele é da Embrapa), se os produtores brasileiros iriam trocar o nome dos Prosecco para “Glera” depois da DOC de Prosecco e ele me disse: “Mas Didú, os italianos nos venderam uma uva chamada Prosecco e não Glera”… hahahahaa está certo não? Que confusão isso.
Então fomos para o jardim e ele me serviu sua maravilha em uma taça gigante por recomendação do Eugênio. Adorei. Perdemos a hora pois repetimos diversas vezes, tivemos uma conversa beatnik, flutuamos no Vale completamente integrados naquele astral e quando voltamos da paisagem para nossas cadeiras já eram seis e meia! Madona mia di Sapri!!…
Irineu então foi nos serviu outra preciosidade que estava decantando há 30 horas! Ele me conseguiu uma taça ainda maior, uma Riedel Grand Cru. Taça para Barões e Condes, mas que melhora qualquer vinho. Viva o Georg Riedel!!
O vinho é feito apenas de Cabernet Sauvignon de 2005, que depois de maduro permaneceu mais quinze dias se passificando no próprio vinhedo. Ele dá um torniquete nos galhos dos cachos o que impede a passagem da seiva para as uvas e ele passifica. É o mesmo sistema do Pablo Falabrino do Viñedo de Los Vinentos em seu estupendo Ripasso de Tannat. Quem não tem grana para ter um galpão com ventilação para passificar faz assim e reza para não chover. Deu certo. Aliás deu MUITO certo.
Seu nariz sugeria um “Amarone Brasiliano” misturava um chocolate amargo, uma ameixa preta em calda e um cravo, com o terroso e a casaca de mixirica, típicos “secondo me” de um vinho bom brasileiro, que não se encheu de maquiagem para ir à festa fingindo ser o que não é.
O vinho é de 2005 e não passou por madeira. Fiquei boquiaberto. Como podeia ter aquele tabaco sem madeira?… E o tostado? Como?! Que show. Voltei a flutuar como um monge sentado em flor de lótus em meio a paisagem…
Voltei e me deparei com a angustia do tempo. Por que a festa da ABE não foi programada para as 23hs.?…
Olhamos o relógio e eram quinze para as sete. Irineo não se conteve e foi abrir uma outra garrafa do mesmo vinho, para compararmos um decantado de 30 horas, com um não decantado. Aí complicou, pois não dava para perder aquela experiência, o tempo ia passando e a gente viajando naqueles aromas comparativos, o que tinha num e o que tinha no outro, o álcool do recém aberto e o álcool do decantado, o sabor fechado do novo com a diversidade do decantado. Quando olho o relógio eram sete e dez. Saímos correndo para o Hotel na caminhonete do Irineo pois nos demos conta de que ainda não aprendemos o tele-transporte.
Que alegria reconhecer o Irineo nesta vida, com aquela paixão sem a qual não se faz bom vinho, “seconco me” claro… Grazie e Bacio Amico!!!
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